Maior população negra fora da África, o Brasil foi um dos seis países que tiveram o chefe de Estado usando da palavra nos funerais de Nelson Mandela. A honraria reflete os laços que unem os dois países, forjados no combate ao apartheid, em que o Itamaraty teve papel importante na aprovação das sanções diplomáticas ao regime racista sul-africano, vigente até a década de 1990. O País não deve dormir sobre os louros da escolha, se quisermos nos manter à altura dos ideais de Mandela, o homem que saiu da prisão de 27 anos para conduzir a travessia até a democracia.
Logo na primeira visita ao Brasil, recém-libertado, Mandela agradeceu o apoio, mas advertiu sobre a persistência da desigualdade racial e social no País. Vinte e dois anos depois da visita, com a democracia tendo avançado e muito no Brasil, a advertência segue atual. Para colocar um ponto final no racismo, temos de acelerar o ritmo da criação da oportunidades e do combate aos preconceitos, que prejudicam o desenvolvimento do País.
As mudanças promovidas no cenário social do País nesses 10 anos de governo popular não são poucas: 50 milhões de brasileiros ascenderam socialmente, dos quais 40 milhões tirados da extrema pobreza. Esse foi o efeito da ampliação de programas de transferência de renda, da geração de empregos, do aumento do salário mínimo, etc. Tais medidas contribuíram para favorecer de maneira especial afro-descendentes, segmento historicamente excluído, ainda que majoritário.
Em 1999 entre os brancos de 18 e 24 anos, 34.4% cursavam nível superior; entre pretos e pardos, na mesma faixa etária, o percentual era 7,5% e 8,0% respectivamente. Uma década depois (2009), 62,6% dos estudantes brancos de 18 e 24 anos estavam no nível superior, contra 28,2% de pretos e 31,8% de pardos, numa proporção de 2/3 brancos para 1/3 de pretos e pardos. A desigualdade persiste, mas a proporção reduziu-se.
Segundo o censo Nacional de Educação Superior 2010, do Ministério da Educação, entre as 274 Instituições de Ensino Superior (IES) no Brasil, 81 (29,6%) possuíam algum tipo de ação afirmativa para o ingresso de candidatos negros – entre essas, 24 são instituições estaduais e 25 federais (61%). Em 2010, 408.562 alunos foram admitidos nas universidades públicas e privadas. Desses, 13.842 (27%) conquistaram suas vagas por algum tipo de ação afirmativa voltada aos negros e 32.851 (64%) por ações direcionadas a alunos de escolas públicas.
O retrato do Brasil não estaria completo sem jogar luz sobre nosso lado mais sombrio, a violência. Estudo da 4ª edição do Boletim de Análise Político-Institucional do Ipea, Segurança Pública e Racismo Institucional, de 2013, revela que as maiores vítimas de homicídios no Brasil são homens jovens e negros, numa proporção 135% maior do que os não negros.
Mandela preferiu construir pontes a muros, recusando-se ao ressentimento. Ao mesmo tempo, a África do Sul condicionou o perdão aos crimes cometidos durante o regime do apartheid ao reconhecimento formal de culpa pelos agentes do Estado. No caso do Brasil, é fundamental que se conheça o passado de escravidão e servidão, de violências contra indígenas e afro-descendentes, de direitos negados aos pobres. Só assim se lança as bases para construir um futuro sem preconceitos.
Completa dez anos, agora, um passo importante neste sentido: a aprovação, em 2003, da Lei 10.639 que altera a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), tornando obrigatório o ensino da história e da cultura afro-brasileira no currículo da Educação Básica. É essencial fazer com que esse dispositivo se torne realidade no Rio, gesto que colocaria o estado à frente da defesa de políticas que garantam o reconhecimento da contribuição da cultura afro-brasileira para formação cultural e social em nosso país.
Assim, estaríamos mais perto, no País de Pelé e Garrincha, de provar para as Fifas de todos os setores que a beleza brasileira é tanto de Camila Pitanga quanto de Fernanda Lima, que a ginga nacional tem o negro Lázaro Ramos como o loiro Rodrigo Hilbert, que a diversidade a qual Mandela dedicou a vida tem no Brasil um porto seguro.
André Ceciliano, líder do PT na Alerj e presidente da Comissão de Combate às Discriminações e Preconceitos de Raça, Cor, Etnia, Religião e Procedência Nacional.