Uma das políticas públicas mais bem-sucedidas na área da saúde dos últimos 30 anos está em risco. Trata-se da reforma psiquiátrica brasileira, concluída em 2001 graças à Lei 10.216, do então deputado federal Paulo Delgado (PT-MG). É que, agora em dezembro, a Comissão de Intergestores Tripartide (CIT) do Ministério da Saúde aprovou, a toque de caixa, uma portaria que prevê um retrocesso na norma, considerada revolucionária, no tratamento de pacientes com transtornos mentais graves em todo o país.
Entre as alterações previstas na portaria, estão a manutenção de leitos em hospitais psiquiátricos e a limitação na oferta de serviços extra-hospitalares. As mudanças propõem ainda a implantação de Centros de Apoio à População de Rua (CAPS R) nos locais de concentração de usuários de drogas, e a internação compulsória dos pacientes. Tais medidas configuram-se na total desconstrução do SUS, pois privilegiam o atendimento hospitalar em total desacordo com o que prevê a lei federal.
Desde sempre os trabalhadores em saúde mental se mostraram contrários à privatização do setor e denunciaram práticas desumanas impostas aos pacientes nas instituições privadas. Com a aprovação da Lei em 2001, após 12 anos de tramitação no Congresso Nacional, um novo horizonte se desenhou aos pacientes mentais e seus familiares. Começava ali a extinção de manicômios em vários estados e municípios brasileiros, e novos serviços, prevendo, inclusive, a reinserção das pessoas com transtornos mentais à sociedade, passaram a ser adotados.
Paracambi foi um dos primeiros municípios a implantar o novo modelo a partir de 2001, época em que fui prefeito. Fizemos uma intervenção no maior hospício da América Latina, a Casa de Saúde Dr. Eiras, um manicômio desprezível, onde pessoas com transtornos mentais eram tratadas como lixo.
Implantamos um programa de saúde mental de excelência atendendo a todas as prerrogativas do Ministério da Saúde com a criação do Centro de Assistência Psicossocial (Caps II), Residências Terapêuticas e casas de passagem. Temos muito orgulho de ter preparado esses pacientes para retornarem às suas casas, sem a necessidade de internação. Criamos oficinas, centro de convivência, e atividades extras como o Bloco Carnavalesco Maluco Sonhador e o programa de rádio Antena Virada. Nossa vontade sempre foi a
de atender aquelas pessoas e vê-las recuperar sua cidadania. Esse foi um sonho realizado. Por todo esse exemplo, de que é possível dar dignidade aos portadores de transtornos mentais, é que consideramos lamentável e inaceitável assistir a essa tentativa de desmonte de 30 anos de trabalho.
Andre Ceciliano é deputado estadual (PT)
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Publicado pelo jornal “O Globo” no dia 28 de dezembro de 2017, clique aqui para acessar.